sexta-feira, 23 de abril de 2010

A violência do amor



Por Sandro Baggio


Há alguns anos, uma amiga emprestou-me um livrete chamado The Violence of Love. Era uma coleção de pensamentos do Arcebispo Oscar Romero. Fiquei impressionado com seus pensamentos e procurei conhecer sua história. Esta mesma amiga menciou um filme sobre sua vida, com Raul Julia no papel de Romero. Além de assitir o filme, comprei alguns livros, dentre eles o diário dos dois últimos anos de sua vida e outra coletânea de pensamentos seus que tornou-se um de meus livros favoritos. Oscar Romero é um martír pelo qual passei a nutrir grande admiração.
Hoje faz 30 anos que Oscar Romero foi assassinado enquanto celebrava a missa numa pequena capela em El Salvador. Abaixo estão alguns de seus pensamentos extraídos do livro The Church Is All Of You.

“Como cristãos formados no evangelho,
vocês têm o direito de se organizar,
para tomar decisões concretas baseadas no evangelho.
Mas tenham muito cuidado para não trair
aquelas convicções evangélicas, cristãs, sobrenaturais
na companhia daqueles que buscam outras libertações
que podem ser meramente econômicas, temporárias, políticas.
Mesmo trabalhando pela libertação
junto com outros que possuem outras ideologias,
os cristãos devem apegar-se à sua libertação original.”
(19 de Junho, 1977)

“Não coloquemos nossa confiança
nos movimento libertadores terrenos.
Sim, eles são providenciais,
mas somente se não se esquecerem
de que toda força libertadora no mundo
vem de Cristo.”
(24 de Junho, 1979)

“Eu somente quero ser o construtor de uma grande afirmação,
a afirmação de Deus,
que nos ama
e que deseja nos salvar.”
(25 de Fevereiro, 1979)

“Na medida em que somos igreja,
isto é, verdadeiros cristãos,
encarnando o evangelho,
nesta medida seremos os cidadãos oportunos,
(…) necessários neste momento.
Se nos retrairmos desta inspiração da Palavra de Deus,
podemos ser pragmáticos,
oportunistas políticos,
mas não seremos cristãos
que moldam a história.”
(11 de Novembro, 1979)

“Eu repito o que disse a vocês uma vez quando temíamos ficar sem uma estação de rádio:
O melhor microfone de Deus é Cristo,
e o melhor microfone de Cristo é a igreja,
e a igreja são todos vocês.
Que cada um de vocês,
em seu próprio trabalho, em sua própria vocação (…) cada um em seu próprio lugar viva a fé intensamente
e sinta que em seu ambiente
você é um verdadeiro microfone de Deus nosso Senhor.”
(27 de Janeiro, 1980)

“A violência que pregamos não é a violência da espada,
a violência do ódio.
É a violência do amor,
da irmandade,
a violência que deseja transformar armas
em foices para o trabalho.”
(27 de Novembro, 1977)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Eleições: se posicionando (Parte II)

Por Igor Miguel

A esfera litúrgica (pística na linguagem de Abraham Kuyper, "pisteis" em grego quer dizer fé) é soberana sobre seu papel em conduzir pessoas à adoração, edificação e culto a Deus. Também é na dimensão pística, que a orientação pastoral prepara pessoas com ferramentas da revelação para se engajarem em mundo de caos.

A esfera pública é uma dimensão com soberania própria, com leis estruturais próprias, porém, isto não significa que a esfera pública, não tenha algo a aprender com a esfera pística, com a esfera biológica e assim por diante. O problema é quando uma esfera quer se assenhorar da outra. Como é o caso na idade-média, quando a esfera pística quis submeter todas as outras esferas da criação a seu domínio, quis "liturgizar" a educação, a economia, a arte e tudo foi achatado por esta esfera. Esta lógica não nasceu da Igreja, foi herança do expansionismo imperial de Roma que institucionalizou o que era orgânico. O que era comunitário, tornou-se imperial e centralizador nas mãos de Constantino.

As revoluções humanistas desencadearam a afirmação do sujeito, a privatização e secularização, empurrando tudo que era do universo da fé para dentro do gueto da Igreja. Criou-se então um sistema de crenças "a-religioso", em que os homens investigam as leis da natureza, ignorando o legislador, a mente criativa que as estabeleceu ali.

Na era dos nacionalismos era o Estado tornando-se senhora de tudo, agora o Estado dobrou-se ante a esfera econômica.

A abertura da criação à investigação e à transformação foi visto por muitos cristãos como uma oportunidade. Alguns judeus que já eram envolvidos com as questões "mundanas", se juntaram à grande revolução cultural experimentada pelo mundo. Porém, a maioria dos cristãos, excetuando algumas correntes puritanas e neo-reformadas, aceitaram o discurso moderno e aprisionaram sua vocação às quatro-paredes da vida litúrgica, deixando que o mundo seguisse seu rumo sob os auspícios do deus Ratio (razão) e seu sacerdote Scientiae (a ciência).

Hoje, o cristianismo volta timidamente a ser despertado ao engajamento cultural. Sempre falo para meus alunos de teologia que o "exorcismo" é a parte mais superficial da missão evangelizadora, que a missão deve ser expandida. Pior que tirar o demônio do possesso é tirar as impressões que ele deixa.

O mundo está em processo de desencantamento (ou reencantamento?) e nossa missão é discipular os povos encaminhando-os a uma vida plena, abundante como prometida pelo Messias. Uma espiritualidade engajada com a justiça e com a excelência de uma vida que se santifica para santificar toda criatura sob o teto da soberania de Deus.

O mundo não precisa de professores cristãos, mas cristãos professores, há uma diferença aqui. O primeiro pode ser cristão quando ora antes de sua atividade vocacional, quando se comporta eticamente como cristão. O segundo tem todos estes valores, mas ilumina sua atividade profissional e sua percepção educacional a partir de uma visão de mundo cristã. Sua didática é inspiradora e lúdica, seu planejamento de aula é humanizador, seu olhar e sua forma de considerar os saberes parte do pressuposto de que os homens são imagem de Deus. Sua capacidade de diálogo leva em consideração a "palavra". Um educador cristão não educa mentes, educa pessoas integrais.

Um profissional cristão é um distribuidor de graças, ele "cai na graça do povo", pois é generoso quando abre possibilidades. Quando não monopoliza informação, mas fertiliza culturalmente as pessoas, quando quer transformar discípulos em mestres. Ele vai contra a lógica da competitividade, procurar a cooperação e a integração, criando redes de ajuda mútua.

Um político cristão neste sentido, seria um cristão político. Um cristão engajado na "pólis" (cidade em grego), antenado e intérprete da cidade e de seus cidadãos, seria alguém atento às articulações e às estruturas iníquas e destruidoras dos direitos humanos. Um cristão político não é um proselitista é um discipulador, que instrui e que ensina. Que propõe uma cidade que reflita a Civitas Dei e não a Civitas Diabolis - parafraseando Agostinho. Neste sentido, acima de tudo, deve repensar o conceito de justiça, que mais do que focada no indivíduo, considera-o como um ser integrado a uma comunidade. O direito não é só do individuo, é da comunidade para o indivíduo, do indivíduo para a comunidade dialeticamente.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

QUAL É O BEM DO EVANGELHO EM SUA VIDA?

Porque eu digo que creio no evangelho?

— é a pergunta que todo discípulo de Jesus deve se fazer de vez em quando. Isto porque em fases distintas da vida a gente mantém diferentes perspectivas de quem é Deus para nós, quem somos nós para Ele, e quais são nossas motivações em relação a Deus no que diz respeito ao nosso modo de viver a fé, e, sobretudo, de senti-la e expressa-la no mundo.

A maioria das pessoas pensam que a única maneira de servir a Deus é se dedicando às programações da igreja, a ter gosto por reuniões de oração, e não ter vergonha de “falar de Jesus” a todos os que encontrarem.

O trabalho na vida normal é, para tais pessoas, uma coisa suportável, na melhor das hipóteses. Mas, a maioria, sofre o trabalho, pois gostaria de servir apenas a causa de Deus, que é fazer a igreja crescer, e, assim, dominar a sociedade com a influência dos cristãos.

Enquanto isto, entre os pastores, a motivação para pregar a palavra vai da admiração aos “maiores” líderes, ao querer ser útil a Deus, ao ter um nome entre os grandes, ou porque o indivíduo sente que se ele não defender a verdade, ela corre o risco de se perder na Terra.

Sem falar daqueles que pregam apenas porque precisam faze-lo, pois servem-se desse expediente a fim de ganhar dinheiro.

Não podemos esquecer também do pastor cansado e desanimado, e que prega gemendo, pois, caso pudesse viver sem o dinheiro da igreja, ele mesmo se aposentaria de tudo.

Existem ainda os sinceros, e que pregam com amor aflito e angustiado, pois crêem que se não anunciarem a Jesus, e não plantarem novas igrejas na Terra, o mundo inteiro está perdido, posto que Deus está de mãos amarradas e sem voz no planeta, a não ser que nos disponhamos a falar e agir por Ele.

De um modo geral, a maioria se acostumou a ser “de Jesus”, e não tem nem coragem de perguntar se aquela fé é verdade na vida dele, se realiza em sua existência o bem prometido.

Quando a existência vai se mostrando tão aflita como a de qualquer outro ser humano da Terra, e quando o “benefício espiritual” não se manifesta como amor, alegria, paz, bondade, longanimidade, mansidão e domínio próprio—mas sim como infelicidade, amargura, ânsia persecutória, juízos e frustrações; então, a honestidade manda perguntar: O que está errado? É o Evangelho que não é verdade? Ou será que eu, na verdade, é que não vivo em verdade o que é o Evangelho?

Tem gente que pensa que o Evangelho é o corpo de doutrinas da igreja e seu modo de entender o mundo. Tem gente que pensa que o Evangelho é algo para se ensinar, pois, seria pela propagação da informação que a salvação visitaria a Terra.

Tem gente que pensa que o Evangelho é a igreja, de tal modo que ele mesmo é capaz de se referir ao crescimento da igreja no país como o “crescimento do evangelho”.

O Evangelho é a Boa Nova.

O Evangelho é a certeza de que Deus se reconciliou com o mundo, em Cristo; e que agora os homens podem se desamedrontar, pois foi destruído aquele que tem o poder da morte—a saber: o diabo—; bem como foram libertos aqueles que estavam sujeitos à escravidão do medo da morte por toda a vida.

Quem crer está livre, e pronto para começar a andar na paz. Ora, para se ter prazer em pregar o verdadeiro Evangelho—sem medo, sem ameaça, sem barganha, e sem galardão quantitativo, mas apenas qualitativo—, só se o coração estiver grato e cheio de amor.

Ou seja: só se o indivíduo estiver tão pacificado na Graça, que pregar seja algo tão simples quanto o é para uma mangueira dar seus próprios frutos.

Quando o Evangelho é a Boa Nova que livra do medo, então, anuncia-lo só é possível como puro e simples fruto da alegria e da gratidão contente.

Eu acredito no poder do amor, da alegria, da gratidão e do contentamento. Por tais realidades espirituais é que a Boa Nova pode ser vivida e anunciada sem que a morte participe da motivação.

A alegria de conhecer a Deus é o único motivador que deve motivar a anuncio do Evangelho. Portanto, quando o benefício do Evangelho se manifesta como bem espiritual—e que se expressa como amor, alegria, paz, bondade, benignidade, longanimidade, mansidão e domínio próprio na existência do indivíduo—, então, o seu anuncio não é nunca uma forçassão de barra, mas algo próprio e simples, a gera alegria nos corações dos que ouvem, pois, antes de ouvirem, eles mesmos viram o Evangelho na existência daquele que o anuncia.

O Evangelho é Verdade. Mas só é ele que está sendo anunciado quando o resultado realiza libertação interior, pacificando o coração.

Do contrário, tem o nome de evangelho, mas não é o Evangelho mesmo.

Tem gente que se acostumou à miséria de uma existência sem paz e sem libertação do medo, e continua pensando que isto tudo é culpa do diabo, ao invés de perguntar a si própria: Será que aquilo no que creio é de fato o Evangelho?

Preste atenção: o diabo tem poder, mas não tem nenhum poder quando o Evangelho da Graça liberta a consciência humana do medo.

Deste dia em diante o diabo não participa mais de nossa vida, nem quando a gente peca. Isto porque uma coisa é pecar sem consciência da Graça. Outra é pecar com a consciência da Graça.

No primeiro caso estabelece-se tristeza amargurada. No segundo caso, surge a renovação da consciência, brotando o arrependimento feliz e cheio de produções de vida.

Quando o Evangelho é crido, o medo se vai. Então, o diabo perde seu poder.

Assim, sem medo, o homem pode começar a si negar, pois ele já não tem que negar quem é.

Assim, assumindo quem ele é, morre o “si-mesmo”, que é quem ele não é, mas apenas “demonstra ser”.

Aí, neste ponto, começa a jornada de uma crescente libertação na verdade.

E o resultado é um mergulho cada vez mais profundo na paz que excede a todo entendimento.

Cristãos nervosos afligem-se com doutrinas.

Discípulos de Jesus usufruem a verdade como libertação e pacificação.

Onde há o Evangelho, aí há paz!

Caio

quinta-feira, 25 de março de 2010

A origem da liturgia protestante

Por Paulo Brabo

As reuniões da igreja primitiva eram marcadas pelo funcionamento de cada membro, numa participação espontânea, livre, vibrante e aberta. Era um encontro fluido, não um ritual estático. E era imprevisível, bem diferente do culto da igreja moderna.

A Missa Católica

De onde vem então a liturgia do culto protestante? Ela tem suas raízes principais na Missa Católica.

Segundo o historiador Will Durant, a Missa Católica foi “baseada em parte no culto do Templo judaico, em parte nos místicos rituais de purificação dos gregos”. Durant destaca que a Missa estava profundamente mergulhada tanto no pensamento mágico pagão como no drama grego. “A mente grega, moribunda, teve uma sobrevida na teologia e liturgia da igreja; o idioma grego, após reinar por séculos sobre a filosofia, chegou a ser o veículo da literatura e do ritual cristão; o misticismo grego foi passado adiante pelo impressionante misticismo da Missa”.

Os cristãos copiaram as vestimentas dos sacerdotes pagãos, o uso do incenso e da água benta nos ritos de purificação, a queima de velas durante a adoração, a arquitetura da basílica romana em seus edifícios de igreja, a lei romana como base da “lei canônica”, o título Pontifex Máximus (Sumo Pontífice) para o Bispo principal, e os rituais pagãos para a Missa Católica.

A contribuição de Lutero

Em 1520 Lutero lançou uma violenta campanha contra a Missa Católica Romana. O ponto culminante da Missa sempre foi a Eucaristia, também conhecida como “Comunhão”, “Ceia do Senhor” ou “Santa Ceia”. Tudo é direcionado para o momento mágico em que o sacerdote parte o pão e o distribui para as pessoas. Desde Gregório o Grande (540-604) a igreja católica ensinava que Jesus Cristo é novamente sacrificado através da Eucaristia.

Em vez da Eucaristia, Lutero colocou a pregação no centro da reunião.

O erro cardeal da Missa, disse Lutero, era que esta foi uma “obra” humana baseada numa falsa compreensão do sacrifício de Cristo. Então, em 1523, Lutero enunciou sua própria revisão da Missa Católica, revisão essa que é o fundamento de toda adoração protestante. O núcleo dela é: em vez da Eucaristia, Lutero colocou a pregação no centro da reunião.

Por conseguinte, no culto de adoração dos protestantes modernos o púlpito é o elemento central e não a mesa do altar (onde se coloca a Eucaristia nas igrejas católicas). Para Lutero, “uma congregação cristã nunca deve reunir-se sem a pregação da Palavra de Deus e a oração, não importa quão exíguo seja o tempo da reunião. A pregação e o ensino da Palavra de Deus é a parte mais importante do culto divino”.

A noção de Lutero da pregação como ponto culminante do culto de adoração permanece até nossos dias. Todavia tal crença não tem nenhuma procedência bíblica. Como disse um historiador, “O púlpito é o trono do pastor protestante”. É por esta razão que os ministros protestantes ordenados são comumente chamados de “pregadores”.

“O púlpito é o trono do pastor protestante”.

Apesar dessas modificações, a liturgia de Lutero variava bem pouco da Missa Católica. Basicamente, Lutero reinterpretou muitos dos rituais da Missa, mas preservou o cerimonial, julgando-o apropriado. Ele manteve, por exemplo, o ato que marcava o ponto culminante da Missa Católica: quando o sacerdote levanta o pão e o cálice e os consagra.

Da mesma maneira, Lutero fez uma drástica cirurgia na oração Eucarística, mantendo apenas as “palavras sacramentais” de 1 Coríntios 11:23 em diante — “O Senhor Jesus na noite em que foi traído, tomou o pão… e disse ‘Tomai e comei, este é o meu Corpo’…” Até hoje os pastores protestantes recitam religiosamente este texto antes de ministrar a comunhão.

Lutero nunca abandonou a prática de ordenação do clero.


A Missa de Lutero manteve os mesmos problemas da Missa Católica: os paroquianos continuaram sendo espectadores passivos (com a exceção de poderem cantar), e toda liturgia era dirigida por um clérigo ordenado (o pastor tomando o lugar do sacerdote). Embora falasse muito sobre “sacerdócio de todos os crentes”, Lutero nunca abandonou a prática de ordenação do clero. Sob a influência de Lutero, o pastor protestante simplesmente substituiu o sacerdote católico.

A contribuição de Zwinglio

Zwinglio (1484-1531), o reformador suíço, aos poucos introduziu sua própria reforma, que ajudou a desenhar a ordem de adoração de hoje. Ele substituiu a mesa do altar por algo chamado “mesa da comunhão”, onde se ministrava o pão e o vinho. Ele também ordenou que se levasse o pão e o vinho à congregação em seus bancos utilizando bandejas de madeira e taças.

Zwinglio também é nominado como o paladino da abordagem da Santa Ceia enquanto “memorial”. Este ponto de vista é apoiado pela corrente principal do protestantismo estadunidense. O pão e o vinho são meramente símbolos do corpo e do sangue de Cristo. Como Lutero, Zwinglio enfatizou a centralidade do sermão. Tanto que ele e seus colegas pregavam com a freqüência de um canal de notícias televisivo: catorze vezes por semana.

A contribuição de Calvino e Cia

Os reformadores João Calvino da Alemanha (1509-1564), João Knox da Escócia (1513-1572), e Martin Bucer de Suíça (1491-1551) fizeram algumas modificações na liturgia de Lutero. A mais notável foi a coleta de dinheiro após o sermão. Como instrumentos musicais não são mencionados explicitamente no Novo Testamento, Calvino eliminou o órgão e os coros.

Como Lutero, Calvino enfatizou a centralidade da pregação durante o culto de adoração. Ele acreditava que cada crente tinha acesso a Deus através da Palavra pregada e não através da Eucaristia. Devido a seu gênio teológico, a pregação na igreja de Calvino em Gênova era intensamente teológica e acadêmica. Também era altamente individualista, característica que nunca foi eliminada no protestantismo.

A igreja de Calvino em Gênova foi o modelo para todas as igrejas reformadas. Isto explica o caráter intelectual da maioria das igrejas protestantes hoje, especialmente a Reformada e a Presbiteriana.

A característica mais nociva da liturgia de Calvino é a de fazer o culto ser dirigido de cima do púlpito. O cristianismo nunca se recuperou disso. Hoje, o pastor atua como mestre de cerimônias e diretor executivo do culto dominical.

Um costume adicional que os reformadores copiaram da Missa foi a prática do clero caminhar em direção a seu assento designado no princípio do culto enquanto a congregação ficava em pé, cantando. Essa prática teve início no século IV quando os bispos entravam magnificamente em suas basílicas, e foi por sua vez copiada diretamente do cerimonial da corte imperial pagã. É ainda observada em muitas igrejas protestantes.

A contribuição dos puritanos

O abandono das vestes clericais, ídolos, ornamentos e o clero escrevendo seus próprios sermões (em vez de ler homilias) foi uma contribuição positiva que os puritanos (os calvinistas da Inglaterra) nos legaram.

A glorificação do sermão, no entanto, alcançou seu apogeu com os puritanos norte-americanos. Os residentes da Nova Inglaterra que faltavam ao culto eram multados ou presos no tronco.

As contribuições dos metodistas e do Evangelismo da Fronteira

Os metodistas do século XVIII proporcionaram uma dimensão emocional à ordem de adoração protestante. A congregação foi convidada a cantar com força, vigor e fervor. Desta maneira, os metodistas foram os precursores dos pentecostais.
Os metodistas proporcionaram uma dimensão emocional à ordem de adoração protestante.

Os séculos XVIII e XIX trouxeram novidades para o protestantismo americano. Primeiramente, os evangelistas fronteiriços alteraram a meta da pregação. Sua meta exclusiva era agora a conversão de almas. Dentro da cabeça do evangelista, não havia outra coisa no plano de Deus a não ser a salvação. Esta ênfase teve sua origem na pregação inovadora de George Whitefield (1714-1770), o primeiro evangelista moderno a pregar ao povo ao ar livre. A noção popular de que “Deus ama você e tem um plano maravilhoso para sua vida” foi introduzida por Whitefield.

Em segundo lugar, a música do evangelho fronteiriço falava à alma e visava propiciar uma resposta emocional à mensagem da salvação. Todos os evangelistas famosos tinham músicos em sua equipe justamente para este propósito. A adoração passou a ser um espetáculo.

Seguindo a trilha dos revivalistas, o culto metodista passou a ser o meio para obter o fim. A finalidade do culto já não era mais a simples adoração a Deus: os crentes foram instruídos a ganhar novos crentes individuais. Os sermões abandonaram a temática da “vida real” para proclamar o evangelho ao perdido. Toda humanidade foi dividida em dois desesperados campos polarizados: perdido ou salvo, convertido ou incrédulo, regenerado ou condenado.

Os evangelistas fronteiriços alteraram a meta da pregação; sua meta exclusiva era agora a conversão de almas.

Em terceiro lugar, os metodistas e os evangelistas fronteiriços deram à luz o “apelo”, a prática de convidar pessoas que desejam orações a colocar-se de pé e vir à frente.

Tanto pecadores como santos carentes eram convidados a ir à frente para receber as orações do ministro. Charles Finney (1792-1872) convidava o pecador para ir à frente e ajoelhar-se diante da plataforma para receber a Cristo. Finney tornou esse método tão popular que “após 1835, chegou a ser um elemento indispensável no moderno revivamento”.

Além da popularização do apelo, também se atribui a Finney a invenção da prática de orar nominalmente pelas pessoas e mobilizar grupos de obreiros para fazer visitas nas casas.

A contribuição predominante de Finney ao cristianismo moderno foi o pragmatismo.

A contribuição predominante de Finney ao cristianismo moderno foi o pragmatismo – a crença de que se algo funciona ou dá resultados, deve ser apoiado ou aceito. Finney ensinava que o único propósito da pregação é ganhar almas; qualquer mecanismo que ajudasse atingir esta meta poderia ser aceito. O cristianismo moderno nunca se recuperou desta ideologia anti-espiritual.

A meta dos Evangelistas Fronteiriços era levar pecadores individualmente a uma decisão individual por uma fé individualista. Como resultado, a meta da Igreja Primitiva — a edificação mútua e o funcionamento de cada membro manifestando Jesus Cristo coletivamente diante dos principados e potestades — perdeu-se completamente.

O Evangelismo Fronteiriço americano converteu a igreja em um ponto de pregação, reduzindo a experiência da ekklesia a uma missão evangelística. Isto normatizou os métodos revivalísticos de Finney e criou personalidades do púlpito como a atração dominante.

A tremenda influência de D. L. Moody

As sementes do “evangelho revivalista” foram espalhadas através do mundo ocidental pela influência de D. L. Moody (1837-1899).

Moody inventou o solo após o sermão do pastor. O cântico de apelo era entoado por um solista até que George Beverly Shea sugeriu que fosse cantado pelo coral. Shea encorajou Billy Graham de utilizar um coral para cantar hinos como “Eu venho como estou” enquanto as pessoas iam à frente para aceitar a Cristo.

Moody deu-nos o testemunho porta em porta, os anúncios e as campanhas evangelísticas. Deu-nos o “cântico de evangelização” ou “hino evangelístico” e também popularizou o “cartão de decisão”, invenção de Absalom B. Earle (1812-1895).

Moody foi o primeiro a pedir ao que queria ser salvo para colocar-se em pé e deixar-se conduzir em uma “Oração do Pecador”. Cinqüenta anos depois, Billy Graham melhorou a técnica de Moody introduzindo a prática de pedir ao ouvinte para baixar a cabeça, fechar os olhos (“sem olhar nada em volta”), e levantar as mãos como resposta à mensagem salvadora.

Vale notar que Moody foi grandemente influenciado pelo ensino dos Irmãos Plymouth quanto à escatologia (final dos tempos), que pregava a vinda iminente de Cristo antes da grande tribulação. O pré-tribulacionismo deu origem à idéia de que os cristãos necessitam salvar muitas almas o mais rápido possível, antes do fim do mundo.

A contribuição pentecostal

Inaugurado por volta de 1906, o movimento Pentecostal trouxe uma expressão mais emotiva através dos cânticos entoados pela congregação. Estes incluíam mãos levantadas, danças entre os bancos, bater palmas, falar em línguas e o uso de pandeiros.

Porém, suprimidas as características emotivas do culto pentecostal, sua liturgia é idêntica à batista. Um pentecostal tem apenas mais espaço para mover-se ao redor do seu assento.

Como em todas as igrejas protestantes, o sermão é o ponto culminante da reunião pentecostal. Todavia o pastor às vezes sentirá “o movimento do Espírito”. Nesse caso, ele adiará seu sermão para o próximo domingo, e a congregação cantará e orará durante o resto do culto.

A tradição pentecostal também deu-nos a música do solista e a música coral (muitas vezes descrita como “música especial”) que acompanha a oferta.

Na mente do pentecostal, a adoração a Deus não é um assunto coletivo [o corpo da igreja], mas uma experiência individual [o membro da igreja]. Com a penetrante influência do movimento carismático, essa obsessão de adoração individualista infiltrou-se na grande maioria das tradições protestantes.

Muitos ajustes, nenhuma mudança vital

Durante os últimos 500 anos, a ordem de adoração [liturgia] protestante permaneceu quase que praticamente inalterada. No fundo, todas as tradições protestantes partilham as mesmas características em sua liturgia: suas reuniões são celebradas e dirigidas por um clérigo, o sermão é a parte central, os membros são passivos e não tem permissão para ministrar.

São celebradas e dirigidas por um clérigo, o sermão é a parte central, os membros são passivos.

Os reformadores produziram uma tímida reforma da liturgia católica. Sua principal contribuição foi a mudança do enfoque central. Nas palavras de um erudito, “o catolicismo seguiu o caminho dos cultos pagãos, tomando o ritual como elemento central de suas atividades, enquanto que o protestantismo seguiu o caminho da sinagoga ao colocar o livro no centro de seus cultos”. Lamentavelmente, nem o catolicismo nem o Protestantismo tiveram êxito em colocar Jesus Cristo no centro de suas reuniões. Não é surpreendente o reformador ver a si mesmo como católico reformado.

É de lamentar-se que a liturgia protestante não tenha se originado com o Senhor Jesus, os Apóstolos, nem com as Escrituras do Novo Testamento.

A liturgia protestante reprime a participação mútua e o crescimento da comunidade cristã. O culto inteiro é dirigido por um homem. Onde está a liberdade para que Jesus fale através de Seu Corpo a qualquer momento? De que forma, na liturgia, Deus poderá dar a um irmão ou irmã uma palavra para compartilhar com toda congregação? A ordem de adoração não permite tal coisa. Jesus Cristo não tem a liberdade de expressar, através de Seu Corpo, Sua direção. Ele é mantido cativo por nossa liturgia. Ele mesmo é transformado em espectador passivo.

Finalmente, para muitos cristãos o culto dominical é extremamente enfadonho. É sempre a mesma ladainha sem nenhuma espontaneidade. É altamente previsível, bem superficial, e completamente mecânico. Há pouco ar fresco ou inovação.

Igrejas atentas ao seu “índice de audiência” tem reconhecido a natureza estéril do culto moderno. Contudo, apesar do entretenimento, até mesmo o movimento das igrejas que atuam em função de seus “indicadores” não conseguiu livrar-se da pró-forma litúrgica protestante, imóvel, sem imaginação, sem criatividade, inflexível, ritualista, sem sentido.

O culto, portanto, continua cativo pelo pastor; o tripé “sermão, hino, apelo” permanece intacto; e a congregação prossegue na condição de espectadora muda (só que agora está mais entretida nesta condição).

A liturgia protestante que você assiste (ou agüenta) a cada domingo, ano após ano, dificulta a transformação espiritual. Isto porque essa forma de culto: 1) estimula a passividade, 2) limita o funcionamento, e 3) implica que investir uma hora por semana é o segredo da vida cristã vitoriosa.

O cristianismo primitivo era informal e livre de rituais.

O fato é que a liturgia protestante é antibíblica, impraticável e antiespiritual. Não há nada semelhante a isso no Novo Testamento. A liturgia contemporânea dilacera o coração do cristianismo primitivo, que era informal e livre de rituais.

Reuniões [como as da igreja primitiva] são marcadas por uma incrível variedade. Não são ligadas a um homem, nem a um modelo de adoração dominada pelo púlpito. Há espontaneidade, criatividade e frescor.

O Novo Testamento não silencia com respeito a como nós, cristãos, devemos nos reunir. Devemos continuar a arruinar o funcionamento da direção de Cristo defendendo as tradições do homem?

Ficar dramaticamente longe deste ritual dominical é a única maneira de descongelar o povo de Deus.


FONTE: www.baciadasalmas.com

Versão condensada do primeiro capítulo de Cristianismo Pagão, do maluco Frank Viola. Leia o livro completo aqui(o servidor é o geocities, fica temporariamente fora do ar se o limite de acessos for ultrapassado), ou baixe o arquivo PDF. A tradução é de Railton de Sousa Guedes.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Católicos "do jeito deles"

Igrejas evangélicas de hoje são herdeiras do catolicismo de antes da Reforma

Acabam de ser publicados, pela Marcianum Press, os resultados de uma pesquisa encomendada pelo Patriarcado de Veneza e realizada pelo Observatório Sócio-religioso do Nordeste (nordeste da Itália).

Os dois volumes, sob o título "Fede e Libertá" (fé e liberdade), oferecem um retrato da fé e da religiosidade católicas nas regiões do Vêneto. Mas os resultados, confirmando pesquisas americanas de 2004, tornam-se indicativos de uma realidade que talvez valha, em geral, para os católicos do mundo ocidental contemporâneo.

No Vêneto, quase toda a população (perto de 90%) declara ser católica, mas apenas 18% aderem às práticas e às doutrinas obrigatórias, enquanto os outros dizem ser católicos "do jeito deles" ou, no mínimo, expressam "reservas".

A maioria dos entrevistados (66,5%) pensa que a missão da igreja seja assistir os pobres e os que sofrem, não legislar em matéria de moral nem ditar dogmas.
Questionados se os padres deveriam definir claramente o que é o bem e o que
é o mal, apenas 10% dos entrevistados respondem afirmativamente.

O curioso é que os entrevistados podem questionar artigos de fé decisivos (por exemplo, levantar dúvidas sobre a ressurreição de Cristo) ou discordar radicalmente das indicações da igreja quanto à conduta sexual ou ao aborto, mas continuam se dizendo e se sentindo católicos.

Alessandro Castegnaro, diretor do Observatório, comenta que, hoje, por serem católicos, os indivíduos não deixam de escolher livremente "o que lhes parece plausível em termos de crença e o que lhes parece certo em matéria de comportamento".

A constatação que se impõe é que, neste começo do século 21, o espírito do protestantismo ganhou. Não é que as Igrejas Reformadas (Luterana, Calvinista, Anglicana, etc.) estejam em alta enquanto o catolicismo declinaria, mas, como confirma a pesquisa veneziana, para quase todos, a religião é cada vez mais uma questão íntima, privada. As formas do culto, as crenças e as condutas do fiel são decididas sem a mediação da autoridade "infalível" de papa, padres e pastores: se o que faço é pecado ou não, é uma questão que se resolve numa conversa direta com Deus.

Segundo o estudo clássico do sociólogo Ernst Troeltsch (sobre "o protestantismo e o mundo moderno"), o espírito do protestantismo, que "ganhou", foi um dos grandes agentes da modernidade ocidental: graças a ele (ou também graças a ele), o indivíduo e sua liberdade passaram a ser valores superiores à obediência, à tradição e à própria comunidade.

Segundo um ditado das planícies do centro-oeste americano (área com forte
ascendência luterana), a regra do bom cristão é "God and common sense", "Deus e o bom senso". Claro, o "bom senso", que substitui assim a palavra do padre, do bispo etc., não é um modelo de autonomia; ele se inspira nas convicções morais compartilhadas pela maioria, mas (fato crucial) ele preserva a sensação de uma adesão motivada por nossa própria capacidade de pensar e julgar.

Será que essa transformação "protestante" da religiosidade católica explica o crescente sucesso das igrejas evangélicas?

Afinal, elas são igrejas reformadas, não é? Penso o contrário. Grande parte dos evangélicos de hoje (bem diferentes dos protestantes clássicos e dos "novos" católicos) são os adversários do espírito do protestantismo que deu forma ao mundo moderno: eles constituem igrejas que se propõem como mediadoras exclusivas da palavra divina. Além das questões de doutrina, a própria conduta moral não é deixada à decisão do sujeito no seu diálogo com Deus: ela é decidida por "cartilhas" que cobrem cada aspecto da vida, catequeses metódicas, justificadas por citações sagradas (sempre disponíveis: a Bíblia é um repertório variado e imenso).

Assim, por exemplo, mostra-se aos fiéis que "a Bíblia" proíbe o sexo oral, o uso de cigarros, a bebida alcoólica e a roupa colorida. Ou que, "segundo a Bíblia", quem não pagar o dízimo irá para o Inferno.

Em suma, os evangélicos, promotores de uma religiosidade normativa, têm pouco a ver com o espírito do protestantismo; ao contrário, eles parecem ser os herdeiros dos católicos de antes da Reforma e da modernidade. Com uma diferença: freqüentemente, os mediadores que eles impõem aos fiéis são desprovidos das qualidades humanas que eram um "efeito colateral" da vasta cultura dos padres do passado.

Fonte: Folha de São Pauloem 29/06/06, por CONTARDO CALLIGARIS

segunda-feira, 15 de março de 2010

Carta a um homem que pede que eu o ensine como orar

via: http://www.baciadasalmas.com/2010/


Posted:
06 Feb 2010 01:56 AM PST

Caro Z.,

Obrigado pela sua mensagem, pelo carinho e pelos comentários sobre o livro.

Nem de perto imagino as dificuldades da sua presente situação, mas o fato é que não tenho respostas definitivas a oferecer aos seus questionamentos – e, mais importante, você não deveria acreditar em mim se eu afirmasse que tivesse.

Você pergunta como e por que uma pessoa sem religião – “sem um ato espiritual, que pisou uma igreja somente em seu batismo e não tem o hábito de orar” – pode prosperar. O que posso dizer é que variações deste questionamento aparecem constantemente ao longo do Antigo Testamento (por exemplo, no salmo 73).

O que o Novo Testamento faz, como em todos os assuntos, é reverter a pergunta: porque uma pessoa sem Deus não deveria prosperar? Deus derrama o seu sol e faz chover sobre justos e injustos. Melhor ainda: porque uma pessoa com Deus deveria prosperar? Na verdade, há inequívocas indicações no Novo Testamento de que seguir Jesus é seguir o seu caminho de renúncia, sofrimento, anulação e desintegração. A teologia da prosperidade não encontra qualquer brecha nesta boa nova.Cabe aos homens, e não a Deus, corrigir as injustiças deste mundo. O que está dito aqui é “quem quiser me seguir negue-se a si mesmo tome a sua cruz” e “basta a cada dia o seu mal”. Ou ainda, minha expressão favorita, encontrada em Atos 14:22: “por muitas tribulações nos é necessário entrar no reino de Deus”.

Será então verdade que o cristianismo é um movimento essencialmente pessimista? Sim e não. O que os seus primeiros proponentes deixam claro é que quem quiser seguir Jesus (e ele mesmo deixou claro que ninguém é obrigado!) deve estar disposto a deixar tudo para trás a fim de assumir um novo caminho. A estranhíssima vocação de um seguidor de Jesus é encontrar a paz mitigando o sofrimento dos outros, e não o seu próprio.

Para Jesus e os demais autores do NT, o problema do mundo dos homens é que ele é totalmente implacável; precisamente como animais, as pessoas só buscam solução para os seus próprios apetites, deixando pouco ou nenhum espaço para misericórdia, para a inclusividade e para o respeito interpessoal. É justamente porque o mundo é implacável que você foi demitido e ainda não encontrou espaço para voltar ao mercado. Na grelha do capitalismo, cair para o fogo aos 56 anos de idade é considerado trajeto sem volta.

A boa nova, como apresentada por Jesus, é que o reino de Deus foi inaugurado, e nesta nova realidade todos devem trabalhar de forma voluntária e consistente para que o mundo se torne menos implacável. Neste reino todos devem dar um passo além da carne (ou seja, dar um passo além das limitações da natureza humana), e aprender a imitar a Deus em sua inclusividade e generosidade. Arrepender-se é mudar o mundo.

Basta olhar ao redor para ver que este é um processo que está longe de estar sendo implantado satisfatoriamente. Mais do que isso, Jesus deixou suficientemente claro que a boa nova é de tal natureza que não devemos esperar ser nós mesmos beneficiados por ela; o que cada um pode esperar é meramente fazer sua parte para que o mundo se mostre menos implacável e injusto para os outros. O mundo dos afetados pelas nossas omissões é o único que podemos mudar.

Desde o tempo de Jó uma importante linha de pensamento dentro da Bíblia defende a idéia de que as coisas não acontecem neste mundo a partir de uma lógica de retribuição. Neste mundo não é que os bonzinhos e esforçados são premiados e os malvados punidos e confundidos. Como deixa claro o próprio livro de Jó, o mistério é mais profundo e não há respostas fáceis para o problema do sofrimento.

O escândalo do Novo Testamento está em sugerir que não apenas a religião não é necessária para sermos beneficiados pela graça divina, mas que cabe aos homens, e não a Deus, corrigir as injustiças deste mundo. Isso se faz quando nos arrependemos – isto é, quando passamos a imitar Deus em sua disponibilidade assombrosa de dar e dar-se.

Na lógica exigente da boa nova é por minha culpa que você está desempregado, e amenizar as durezas da sua condição é de minha única responsabilidade. Não posso pedir que Deus faça isso, e não posso esperar que outra pessoa o faça.

Numa palavra, não posso ensinar você a orar, mas posso oferecer um abraço, um beijo e um lugar à mesa. Mande seu telefone que quero ligar pra gente conversar.

Abração

PB

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

AS ESTAÇÕES DO CAMINHO NÃO PODEM VIRAR “ESTACIONAMENTOS”?

From: AS ESTAÇÕES DO CAMINHO NÃO PODEM VIRAR “ESTACIONAMENTOS”?
To: 'contato@caiofabio.com'
Sent: Thursday, September 29, 2005 4:26 PM
Subject: PERDIDO E SEM CAMINHO

Olá Caio,

Estou em processo de desconstrução. É muito dolorido. Não sei o que será de mim. Não acredito mais nas instituições. Mas, sem elas, parece que estou sem chão, não sabendo como caminhar. Tenho duas filhas, uma de 7 anos, e outra de 11 anos. O que será delas? o que vou passar para elas? Minha esposa é minha "ouvidoria". Escuta minhas frustrações. Tem medo que eu desande, fique indiferente a tudo e caia no mundão. Concorda comigo, mas argumenta que se formos para outra "igreja" será a mesma coisa.

Um caminho... é tudo que preciso.

Será possível seguir o caminho sem um caminho institucionalizado? Leio suas palavras sobre "igreja" x igreja e cada vez mais caminho para fora daquele caminho. Leio coisas sobre "O Caminho da graça" e percebo uma tentativa de ser igreja e não "igreja ". Mas fico pensando... começou como um caminho, algo sempre em movimento. Agora estamos na estação do caminho, não será paradoxal?

Explico, estação dá idéia de parada, algo que está sendo erguido, uma estrutura com todos os seus conflitos de poder, por mais simples que seja. Em tese pode-se até fazer diferença entre Estação x "igreja", mas na prática será que isso é possível?

No caminho não se projeta, não se constrói, não se ergue, apenas armamos e desarmamos tendas. No caminho nos misturamos, damos, recebemos e seguimos.
Será que é possível viver também assim?

Mas fico pensando, somos seres grupais. Cria-se grupo de tudo, dos sem-terra, dos divorciados, dos homo, dos hétero, dos solteirões, da meia-idade, dos "igreja", dos igreja, enfim, os semelhantes se atraem. Os discípulos do caminho vivem em grupos ou se misturam nos grupos? ou se excluem dos grupos e criam seus próprios grupos?
Será possível servir a Deus sem ir a "igreja"?
Um grande abraço.

Muito sucesso para você e que Deus realize os desejos do seu coração.
Jesaías

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Resposta:
Meu querido amigo e irmão: Graça e Paz!
Vejo que você está de fato em grande conflito, e que a desconstrução está sendo, na realidade, uma demolição ou implosão. Primeiro, saiba que não estamos criando uma denominação. Somos, em alguns poucos lugares, um ‘pouso’ para quem pede. E, quando digo “somos”, apenas digo que os que se designam “do Caminho”, são apenas discípulos de Jesus que não se encontram tranqüilos nas instituições as quais chamamos “igreja”.
Ora, esses apenas se encontram em torno da mesma percepção do Evangelho. Ou seja: são apenas dois, ou três, ou mais, reunidos em Seu nome.

Quanto a “Estações” do Caminho, também desejo que saiba que estação é uma paragem para os peregrinos.

O Caminho não é ‘na’ Estação, é na estrada, é no mundo, é na vida, é na pluralidade da existência, é em meio a tudo e todos, é nas portas do inferno. A “Estação” é um pouso rápido, é um pernoite; ou, no mundo moderno, nem mesmo isso; posto que “estar na estação”, num metrô, por exemplo, é coisa tão rápida que a pessoa quase nem chega a “estar”.

Não temos, todavia, a aflição das estações de metrô. Preferimos as Estações das estradas andantes, antigas ou primitivas, nas quais a Estação era apenas uma “ramagem” na beira da estrada, onde também se paria o pão, mesmo entre estranhos. Ou apenas um lugar comum onde os peregrinos, os hebreus do caminho, se encontram.

Quanto ao senso de “grupo”, no Caminho ele não existe como tentativa de separação do mundo. Existe apenas o senso de unidade na fé, em meio à pluralidade das muitas expressões humanas. Ou seja: o sal, para dar gosto e ser sentido, fazendo a diferença, tem que se ‘dissolver’ na terra, ou onde quer que seja posto. Portanto, o ensino do Evangelho é para que nos dissolvamos na sociedade humana, em toda ela, dando gosto de Graça a tudo.

Além disso, não tenho compromisso com nada além do dia chamado Hoje. A Igreja é de Deus. Deus é Deus. Ele cuida dela. Assim, sirvo a Deus Hoje, e não vivo a neurose de como será amanhã. Não sofro dessa ansiedade.

Hoje, todavia, há milhares de filhos de Deus que andam dispersos porque as portas da “igreja” lhes estão cerradas; ou porque mesmo que estejam escancaradas, estão, todavia, encarrancadas. Ou seja: não refletem a face de Cristo, em Graça e Misericórdia, mas sim a carranca dos fariseus e dos dráculas da religião sem Deus.
Quem está feliz onde está, deve ficar onde está.

Apenas proponho que os que parecem não caber em lugar nenhum, ou os que amam a Jesus, mas, justamente por isto, não suportam a “igreja” — conforme ela se tornou—, que não se sintam “desviados”, que não se tornem solitários, que não vivam como se Deus tivesse qualquer coisa a ver com essas confrarias de homens. E, sabendo disto, que se ajuntem, que se reúnam, que se encontrem, que fortaleçam-se na fé, mutuamente; e, sobretudo, que ensinem o Evangelho uns aos outros; e que saiam para a vida, para toda ela, por todo mundo, qualquer mundo, até os confins de qualquer fim de terra; e que indo, preguem, testemunhem com palavras e ações, e façam discípulos de Jesus; ensinando a eles que o lugar onde se serve a Deus é no mundo, e que o lugar chamado Igreja é qualquer lugar onde dois ou três se reúnam em Seu nome, até numa “Estação” do Caminho, ou qualquer estação, com ou sem nome, mas desde que seja um lugar de refrigério.

Quanto aos seus filhos, eles têm vocês. Ou você deseja transferir a responsabilidade de ensinar a Palavra aos seus filhos a uma escola dominical? No Caminho os pais ensinam os filhos e são os pastores dos próprios filhos. Embora, nas Estações, haja também ensinos e atividades para todas as faixas etárias; ou seja: para quem quiser.
Então, irmão, eu lhe digo: no Caminho, Estação é só um lugar de descanso e espera. É só pra tomar fôlego, para, então, se prosseguir na jornada. Mas há certas coisas que só são provadas se são provadas, e se, assim, se fazem provadas; ainda que para alguns pareçam improváveis.

É bom, todavia, que se saiba que o Evangelho é apenas para gente que crê no impossível.

Saiba só uma coisa mais: Eu já tomei atitudes deliberadas que puseram abaixo algo que muitos consideravam um império cristão importante para milhões; e isto porque eu senti que estava traindo o chamado de minha existência como homem. Assim, eu pergunto a você: Por que você acha que eu tenho dificuldade de acabar qualquer coisa que eu tenha ajudado a construir?

Não! Eu creio que tudo aquilo que vira um fim em si mesmo, precisa ser destruído. Sim, qualquer coisa; pois até a vida individual-consciente não se valida por si mesma, mas pela sua possibilidade de se relacionar com o próximo; servindo a Deus e ao próximo na vida.

Ou seja: no Caminho nada é erguido para ser um fim em si mesmo. Se assim for, bem-aventurado é todo aquele que o puser abaixo. Afinal, é assim, ou deveria ser assim, com todas as coisas debaixo do sol. Receba todo meu carinho!

Nele, em Quem andamos em cada dia Chamado Hoje; hoje!
Caio
September 29, 2005 4:26 PM
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DF