sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Um sonho de Igreja

por Jorge Camargo

Em 2001, passei aproximadamente um mês na África, especificamente em Angola, na cidade do Lubango. À época, o país ainda estava em guerra (que terminou em abril de 2002). A cidade, como o restante da nação, sofria as mais variadas consequências do conflito que se iniciara, primeiro em busca da independência de Portugal, mas que depois descambara num confronto fratricida.

Em meio a tantas dificuldades, observei que havia muitas igrejas de origem protestante na cidade, representando várias denominações. Na comunidade aonde o grupo que eu liderava trabalhou, muitas eram as atividades desenvolvidas em prol da comunidade como um todo. E em uma cidade sem qualquer tipo de opção de lazer e de cultura, a igreja se tornara um ponto de encontro, um polo produtor de atividades culturais em suas mais variadas formas: música, dança, teatro, artesanato, etc. Um autêntico oásis num deserto de opções e de carências.

No meio daquele caos social, tive um vislumbre do que entendo ser a contribuição da Igreja ao mundo.

Sonhei uma igreja. O que seria de nós sem a possibilidade de sonhar?

Vamos ao sonho: Uma igreja cujo templo está localizado no centro da cidade, de fácil acesso e muita visibilidade.

Suas portas estão abertas diariamente (ao contrário de muitos edifícios religiosos que funcionam somente nos dias de culto e no restante do tempo permanecem trancafiados). Além dos cursos profissionalizantes, do atendimento aos necessitados, das parcerias com a prefeitura, o estado, o governo federal e a iniciativa privada, a igreja também possui um intenso calendário cultural que, diferente de outras que utilizam somente as datas cristãs para promover seus musicais, abre o espaço de seu imenso palco a uma programação intensa, que contempla todos os estilos de música. Às quintas, por exemplo, uma camerata se apresenta no templo com repertório barroco e entrada franca, de modo que os moradores da cidade que apreciam música erudita têm oportunidade de assistir a um concerto gratuito, além de apreciar os vitrais da velha catedral protestante, tomar um delicioso café no salão, servido pelos membros da comunidade, que usam esse tempo como oportunidade para servir e estabelecer amizades. Sem proselitismo. Sem forçar a barra. Amizade genuína e desinteressada.

Às sextas à noite são de rock pesado. Os adolescentes e jovens da igreja, instruídos que são a cultivarem amizades fora dos muros de seu templo, veem na programação mensal - que inclui o concerto de rock - uma oportunidade de convidar seus amigos a conhecer o espaço e a ouvir a música que ambos apreciam. E, assim, estarem mais próximos. Curtirem a oportunidade de ser gente no meio de gente. Bem ao estilo de Jesus, que amava as festas e a possibilidade de estar cercado de gente.

No rodízio de programação incluem-se shows de MPB, música alternativa, música instrumental de estilos variados, palestras sobre música e cultura, musicoterapia, etc.

Algumas manhãs e tardes são reservadas às exposições: pintura, escultura, gravura, fotografia.

Há também as mini-temporadas teatrais.

Os saraus, com leitura de poemas.

Os lançamentos de livros.

Quantas opções de difusão de arte e cultura forem concebidas e viabilizadas... no espaço singelo de um templo... no espaço do coração e da mente arejada de uma comunidade que existe para servir o mundo e contagiá-lo com boas obras, com serviço abnegado e amor sem limites.

Estou perto de despertar de meu sonho quando alguém toca em meu ombro e diz, “quero agradecer ao pastor da igreja por abrir as portas do templo e do coração para me receber. Não imaginei que esse espaço pudesse servir a tantas possibilidades. Qual é mesmo o horário dos cultos aqui?”

Acordo acreditando que a igreja ainda possa ser lugar de encontro, de acolhimento, de sorriso, de mentes e corações desarmados.
Mas tudo isso ainda é apenas um sonho.

Jorge Camargo é músico, tradutor, poeta e gravou 7 CDs individuais. Já fez shows no Brasil inteiro, EUA, Europa e África.
É mestre em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie.

FONTE: cristianismocriativo.com.br

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